quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A omissão e a condenação à prática do acto devido

A condenação à prática do acto devido é um pedido da acção administrativa especial (arts. 46º do Código do Processo Administrativo) que se encontra regulado nos artigos 66º e ss. Podemos afirmar que constitui um exemplo da mudança de lógica do Contencioso Administrativo. Tendo sido introduzido com a reforma do modelo constitucional de contecioso administrativo resultante da revisão constitucional de 1997 e baseado na tradição alemã do "Vornahmeklage" das "acções para cumprimento de um dever" , foi uma consequência da nova linha orientadora derivada do novo modelo contecioso de cariz subjectivista, profundamente assente na ideia de tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares, e que por consequência influenciou toda a orientação dos meios processuais. A reforma constitucional abriu assim a porta para a criação de um novo meio processual de natureza condenatória baseado na acção de condenação à prática do acto devido como uma modalidade de acção adminstrativa especial, onde o critério determinante será então a posição substantiva do particular no quadro da concreta relação jurídica administrativa e não o acto administrativo praticado ou omisso da Administração. Este pedido permite a condenação da Administração nos casos de omissão de actuação, como nos casos de emissão anterior de acto de contéudo negativo ilegal.

Os pressupostos processuais da condenação à prática do acto devido encontram-se regulados no art. 67 do Código de Processo Administrativo, referindo-se o primeiro à existência de uma omissão de decisão por parte da Administração ou a prática de um acto administrativo de contéudo negativo, distinguindo três situações legalmente previstas que poderão ser reduzidas a duas situações: a existência de uma omissão administrativa (al. a)) ou a existência de um acto de contéudo negativo, pois tanto a recusa da prática de um acto favorável (al. b)) como a recusa liminar da Administração a pronunciar-se (al. b)) conduzem ao mesmo resultado. Assim, para que essa omissão seja juridicamente relevante é necessário que tenha existido um dever de actuação por parte de um orgão da administração desencadeado por um pedido do particular, e logicamente, não tenha havido qualquer decisão dentro do prazo legalmente estabelecido.

No passado, a regra para tratar estes casos seria considerá-los como tacitamente indeferidos, a fim de permitir a sua impugnação contenciosa. Só que através da mudança operada no aparelho contencioso administrativo fruto essencialmente da revisão constitucional de 1997 e da efectividade da tutela plena dos direitos subjectivos dos particulares, permite-se agora que os particulares solicitem directamente a condenação da Administração na prática do acto devido. Esta possibilidade dada pelo o legislador vem terminar um processo de impugnação de que alguns autores, como o Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva denominaram de "actos fingidos", afastando a anterior prática que levava os tribunais a anular os tais fingidos actos administrativos. A admissibilidade de acções condenatórias da Administração teve como consequência, e de acordo com as posições de Mário Aroso de Almeida e de Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva, que "o artigo 109º, nº1, do CPA é tacitamente derrogado na parte em que reconhece ao interessado a faculdade de presumir indeferida a sua prentensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação".

E na questão em que a omissão administrativa equivale ao deferimento tácito (art. 108º do CPA)? De acordo com a doutrina do Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva (ao contrário com a de Mário Aroso de Almeida), considera igualmente que nestes casos não estamos perante de um verdadeiro acto administrativo, não se devendo afastar a possibilidade de pedidos de condenação na prática do acto devido. O Professor continua explicando que devemos distinguir a produção de efeitos consequentes de uma "ficção legal" fruto da conduta omissiva da Administração da actuação intencional desta, materializada num procedimento administrativo destinado à emissão de um acto administrativo. Trata-se no caso do deferimento tácito, de entre várias questões subsequentes, de uma tentativa de criar um equílibrio entre uma solução destinada a desburocratizar a actividade administrativa (art. 267º CRP e art. 10º do CPA) e dotá-la de uma maior eficiência através da eliminação de alguns «aprovações meramente burocráticas» e o surgimento de acrescidas exigências de decisão efectiva por parte dos orgãos administrativos que podem ser de massa, as quais obrigam à ponderação de interesses múltiplos e contraditórios e que não se compadecem com esquemas rígidos de presunções legais. No ponto de vista dos direitos dos particulares, é menos necessária a existência de "mecanismos compensatórios" para os défices de funcionamento da Administração, sabendo que agora é possível, devido a um novo sistema Contecioso de plena jurisdição, que os particulares reajam através de um pedido de condenação da Administração na prática do acto devido contra omissões ilegais podendo ser acompanhados por medidas cautelares (art.66º,3). O Prof. Vasco Pereira da Silva entende igualmente que se deveria repensar o próprio proprósito de existência (ou inexistência neste caso) desta "ficção legal", chegando a colocar a hipótese de se afastar esta figura do Código do Procedimento Administrativo. Em relação ao contéudo das sentenças, a medida da condenação corresponderá ao âmbito de vinculação da Administração, ou seja, do contéudo do direito do particular, visto que existirá uma sentença condenatória quando o particular for titular de um direito a uma determinada conduta por parte da Administração e esta não actuou ou não praticou um acto administrativo quando estaria legalmente vinculada a actuar ou a praticá-lo. Pode-se considerar a existência de duas principais modalitades de sentenças resultantes da sub-espécie da acção declarativa especial em análise: as que condenam à prática de um acto administrativo cujo o contéudo é determinado pela sentença; e aquelas que cominam à prática de um acto administrativo cujo o contéudo é relativamente indeterminado na medida em que estão em causa escolhas da responsabilidade da Administração e em que o tribunal indica a "forma correcta" do exercício do poder discricionário. Estas são inspiradas nas "sentenças indicativas", verificando-se quando existe uma mera omissão como quando estamos perante um caso de um acto administrativo desfavorável, resultando portanto numa espécie de sentenças mistas que se referem ao aspecto condenatório obrigando à prática do acto administrativo como aos aspectos vinculado do poder em questão, com uma vertente declarativa de simples apreciação permitindo ao tribunal orientar a Administração nos casos de discricionariedade.

Mesmo admitindo que o deferimento tácito constitui um acto administrativo, isso não seria base suficiente para afastar a possibilidade de propor uma acção condenatória já que esta pode ter como objecto uma actuação administrativa desfavorável e não apenas uma omissão. Assim, a única objecção procedente não teria a ver com o facto de existir ou não um acto administrativo, mas sim que o deferimento tácito ter efeitos positivos, ou seja, revelar-se em príncipio favorável para o interessado e não desfavorável. Mesmo nestas circunstâncias, entende mais uma vez o Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva, que não se pode afastar as acções condenatórias derivadas de um deferimento tácito em duas circunstâncias: na hipótese de deferimento tácito ter sido formado nos termos da lei mas não corresponder integralmente às pretensões do interessado, sendo nessa medida considerado como parcialmente desfavorável e passível de acção condenatória; e na segunda circunstância de o deferimento tácito, estando inserido numa relação multilaterial, ser favorável apenas a determinados sujeitos, correspondendo a uma omissão administrativa geradora de efeitos desfavoráveis. Como exemplo temos o caso do deferimento tácito de avaliação de impacto ambiental previsto no art. 19º, do Decreto-Lei nº69/2000 de 3 de Maio que através da pretensão favorável do pedido do particular cria subsquentes actos desfavoráveis relativamente aos outros sujeitos da relação jurídica multilateral. Nestas situações onde não existe um acto administrativo (para além do ficcionado) mas existem efeitos desfavoráveis relativamente ao requerente ou aos outros sujeitos da relação, a melhor forma de reacção será o da sentença condenatória em acção administrativa especial, afastando por completo a antiga prática anulatória de um acto ficcionado com a reforma do Contencioso Administrativo.


Bibliografia

Pereira da Silva, Vasco, " O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as acções no novo Processo Administrativo", 2ª Edição, Editora Almedina, Março 2009

Rebelo de Sousa, Marcelo; Salgado de Matos, André, "Direito Administrativo - Tomo III Actividade Administrativa", 1ªa Edição, Editora Dom Quixote, Fevereiro 2007

Francisco M. Ferrão - nº 140106101

Do Recurso à Acção

1. O Recurso

O contencioso administrativo português era, até à sua reforma “constitucional” e “ordinária” – ocorrida entre 1976 e 2004 -, caracterizado por ter uma dimensão objectiva, a qual assumiu uma ossatura mais estruturada com a Constituição autocrática de 1933 e com o Código Administrativo de 1940.
Nessa dimensão, os princípios da legalidade e da tipicidade norteavam a apreciação da actuação da Administração Pública que, no exercício do “jus imperii”, condensava no acto administrativo definitivo e executório a relação do poder executivo com os “administrados”.
Os tribunais administrativos tinham, assim, que sindicar a legalidade dos actos ou contratos – estes taxativamente enumerados no artigo 815º do Código Administrativo e no Regulamento dos Tribunais Administrativos, se bem que uma corrente de tendência germanófila entendesse que tal lista era ilustrativa e não fechada – praticados e celebrados pela Administração, competindo-lhes manter os actos ou revogá-los por anulação, caso os mesmos enfermassem de vícios de forma ou de substância (violação de lei, incompetência ou usurpação de poderes), ou, ainda, declará--los nulos.
A Administração Pública era transmudada em autoridade recorrida nos casos em que, por actos ou mesmo omissões, “definisse” unilateralmente a situação jurídica concreta dos “administrados”, indeferindo pretensões ou derrogando direitos.
Através do privilégio da execução prévia, a Administração Pública impunha coactivamente as decisões e deliberações que aprovaava com dispensa do recurso a uma prévia decisão dos tribunais para o efeito. Esta realidade iluminava-se nos chamados despejos extra-judiciais: a Administração, senhoria de habitações de renda económica ou social, procedia ao despejo dos utentes dessas habitações por acto administrativo sem recurso aos tribunais e, eventualmente, com a colaboração das forças policiais.
Ao juiz não competia omitir juízos de valor ou pronunciar-se sobre o mérito dos actos e omissões da Administração mas apenas verificar o modo como a lei era aplicada aos casos concretos. Era o reino do “contencioso de anulação”.
Os “administrados”, que eram tidos e encarados como auxiliares da realização da justiça, pois, colaboravam na procura e prova da verdade e na supressão das ilegalidades do mundo jurídico, efectuada pelos tribunais na defesa da legalidade e na prossecução do interesse público, tinham, para aceder a esse patamar, que provar que eram titulares de um interesse directo, pessoal e legítimo.
Essa titularidade facultava-lhes a apresentação do pedido de expurgação da ilegalidade do ordenamento jurídico mas não lhes era reconhecida a titularidade de direitos subjectivos nem lhes era conferido o estatuto de parte processual se bem que os requisitos da pessoalidade e da legitimidade remetessem mais para a relação jurídica material controvertida e não para a relação processual. Isto é: esta conexão à realidade substantiva, que pressuporia uma consequente intervenção processual em “pé de igualdade” com a contraparte pública, não tinha sequência no processo de contencioso e os particulares não eram tidos como parte processual.

2. A Constitucionalização e a Reforma

O recurso contencioso assim configurado era harmónico e articulava-se com
a natureza autoritária e com a estrutura corporativa do regime que vigorou ao abrigo da Constituição de 1933.
A denominada democracia orgânica retirava aos cidadãos o direito à expressão política e sócio-económica pois, inexistia a pluralidade de partidos e as profissões eram filtradas pelos organismos (grémios e sindicatos) “coordenados” pela Administração Pública e pelo poder político. Logo, o sistema corporativo asfixiava o cidadão na sua dignidade de pessoa e sublimava a afirmação real e efectiva dos seus direitos, acantonados num catálogo formal que uma Administração Executiva geria e aplicava de forma autoritária.
No entanto, a evolução do Estado Social, e a sua modulação em Estado-Providência, convocou o Estado a se apetrechar e dotar da capacidade para satisfazer as necessidades económicas, sociais, culturais, educacionais, de saúde e segurança social bem como de justiça que as novas realidades do pós segunda guerra mundial colocaram aos países.
A Administração Executiva cede o passo à Administração Prestadora ou Infra-estrutural e respaldada do extinto regime autoritário foi confrontada com os postulados, princípios e valores democráticos. A dignidade da pessoa humana e o novo catálogo de direitos, liberdades e garantias, com a concomitante garantia do acesso à justiça por todos os cidadãos foram caldeados com a consagração de um conjunto de princípios – da igualdade, proporcionalidade, imparcialidade, justiça e da boa fé – que recortavam um novo e distinto relacionamento do poder executivo e da Administração Pública em geral com os, “hélas”, cidadãos.
A Administração deixou de, através dos actos administrativos definitivos e executórios, decidir unilateralmente sobre os direitos e interesses dos cidadãos. Estes passaram a integrar o processo de formação da decisão pública quer através do direito de audição prévia quer por força do direito de pronúncia sobre o teor das decisões que os afectam (por exemplo, nas adjudicações de empreitadas, fornecimentos ou prestações de serviços públicos).
A Constituição de 1976 e as suas sucessivas revisões, que consagraram esses princípios e direitos, estatuíram, deste modo, o direito fundamental a uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares.
O legislador constituinte viabilizou, assim, não só a impugnação dos actos administrativos e a interposição das medidas e providências cautelares que permitem a suspensão imediata da eficácia daqueles actos bem como e, acima de tudo, as acções de apreciação e reconhecimento de direitos e a condenação da Administração, inclusive, na prática da conduta devida nos casos em que a omissão tenha lesado direitos ou interesses dos particulares.
Desta tarefa se incumbiu a reforma de 2004 que assegurou a tutela jurisdicional efectiva.
O Código de Processo Administrativo veio admitir os instrumentos e meios processuais seguintes:
- a acção administrativa comum (artigos 37º e seguintes);
- a acção administrativa especial (artigos 46º e seguintes);
- os processos de natureza urgente (artigos 97º e 109º e seguintes);
- os processos cautelares (artigos 112º e seguintes);
- o processo executivo (artigos 157º e seguintes).

3. A Acção de Impugnação

A constitucionalização do contencioso administrativo determinou o declínio do
protagonismo do acto administrativo, datado sociológica e politicamente enquanto expressão do “jus imperii” dos entes públicos, que cedeu o seu lugar e relevo processuais aos cidadãos, ora, sujeitos do processo e se recolheu à condição de objecto do processo.
Com o abandono da concepção “actocêntrica” do Direito Administrativo, que orbitava, em “huis–clos”, em terno dos “privilégios autoritários”, passa a ser reconhecida e é dado foro de cidadania à titularidade dos direitos subjectivos dos particulares no seu relacionamento com a Administração Pública e, em aprofundamento do princípio da igualdade e do respeito e primado da lei e do Direito pelas autoridades administrativas, os particulares recebem e ganham o estatuto de partes no processo contencioso.
O juiz dos tribunais administrativos, na análise dos seus poderes de pronúncia e de legitimidade dos particulares que deveriam ser titulares de um interesse directo, pessoal e legítimo para acederem à fase da impugnação contenciosa, continua a ponderar o meio processual adequado mas, sobretudo, tem em atenção a natureza e conteúdo do pedido constante dos requerimentos impugnatórios apresentados pelos particulares.
E, dessa maneira, às sentenças de mera anulação de actos administrativos ilegais assiste-se à emergência das sentenças qualificadas em função dos pedidos formulados: de simples apreciação de direitos ou situações jurídicas, de condenação, e, ainda, as de anulação.
Estas sentenças obtidas maioritariamente através das acções administrativas comuns e especiais passam a ilustrar a vivência da tutela efectiva e garantia dos direitos subjectivos dos cidadãos.
A letra do Código do Processo Administrativo tem levado a que seja cometido à acção administrativa comum o julgamento de todos os litígios que não possuam uma regulação especial e à acção administrativa especial o dos processos concernentes a actos e regulamentos administrativos.
Esta repartição processual é passível de censura e crítica pois, a “especialidade” assim vista resulta de conceitos transportados do antanho, como, por exemplo, o carácter “sui generis” do direito administrativo em relação ao direito civil, quer em sede substantiva quer na processual e não explica e não soluciona nem o regime de cumulação de pedidos nem ajuda nem facilita a compreensão da proliferação terminológica dos meios e modalidades processuais (acções sub-especiais em relação à acção especial e “regime especial” da “acção especial” na impugnação dos actos formativos dos contratos administrativos).
Em conclusão, dir-se-á que os “administrados” do contencioso autoritário de anulação são os sujeitos e partes no processo da acção administrativa democrática, porque reconhecidos, por via constitucional e legal, como titulares de direitos subjectivos e de interesses protegidos no seio e conceito de uma Administração Prestadora e Infra-estrutural e de uma Justiça Administrativa plena e a todos garantida, gerada num Contencioso Administrativo de plena jurisdição.

Bibliografia:

- AMARAL, Diogo Freitas do, "Curso de Direito Administrativo", Vol. II, Almedina, Coimbra, 2008;

- SILVA, Vasco Pereira da, "O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as Acções no Novo Processo Administrativo", 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009.

João Câmara
Aluno nº 140107003

Acórdão

TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DO CÍRCULO DE LISBOA

Acórdão do Tribunal Administrativo n.º 23/2010

Processo nº 6666/10 – Pleno da 1ª Secção

Acordam, em conferência, no Pleno da 1.ª Secção do Tribunal Administrativo:

1. Relatório
Francisco Sigmundo Armado em Esperto (doravante Francisco Esperto) e ‘Somos da Inteira Confiança’ S.A (doravante SIC) produzem alegações nos termos das quais se conclui o seguinte:
I. O Estado actuou violando o art.24º, nº1alí. c) do Código dos Contratos Públicos pois não se verificam as condições que justificam o recurso a ajuste directo
II. Havendo preterição de concurso público é nulo o procedimento e subsequente contrato
III. A situação de urgência imperiosa é imputável ao Estado
IV. Francisco é parte legítima da presente acção
V. A Demanda da empresa “Million Dollar Vehicle” (doravante MDV) é impossível pelo encerramento da mesma empresa.
O Ministério da Administração Interna, Réu, apresentou vários argumentos dos quais se conclui o seguinte:
I.Na reunião da SIC com o ex Secretário de Estado esta ofereceu-se para vender ao Estado os seus blindados
II.A SIC foi informada de que seria realizado ajuste directo
III.Houve um incêndio no armazém onde estavam contidos blindados que iriam ser utilizados na Cimeira
IV.O incêndio é imputado ao Estado
V.O Incêndio não consubstancia razão bastante para recorrer ao ajuste directo
Foram os autos submetidos a conferência para julgamento



2. Questões a analisar
Em primeiro lugar, cumpre analisar a invalidade ou não do contrato celebrado entre a MDV e o Estado celebrado em 15 de Setembro de 2010.
Em segundo plano, há a averiguar se há lugar a responsabilidade extra – contratual do Estado perante a empresa SIC, por não ter havido concurso Público, que daria oportunidade, à mencionada SIC de expôr as suas competências, estratégias e produtos, e possivelmente celebrar contrato relativo aos veículos blindados com o Estado.

3. Fundamentação
Quanto às partes em litígio vem o tribunal reafirmar a legitimidade do Autor Francisco Esperto, reafirmando também que, como havia já sido referido no Despacho Saneador proferido a 12 de Dezembro de 2010, não assiste neste aspecto razão aos réus.
Com efeito, da conjugação do artigo 9º nº 2 do CPTA com os artigos 27º e 52º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, e tendo ainda em conta o disposto na Lei 83/95 relativa ao Direito de Participação Procedimental e de Acção Popular, se retira que Francisco Esperto é parte legítima no processo, remetendo-se para a fundamentação dada por este tribunal no já aludido Despacho Saneador.
Quanto à necessidade da presença da empresa MDV em juízo, efectivamente esta teria interesse legítimo na manutenção do acto impugnado e como tal configurar-se-ia uma situação de litisconsórcio necessário passivo – artigos 10º e 57º CPTA.
No entanto, depois de inúmeros esforços e tentativas frustradas no sentido de contactar e citar a dita empresa, o Tribunal veio a conhecer do encerramento de portas da mesma, tendo recebido a secretaria do Tribunal a Declaração de Cessação de Actividade e o Registo Comercial de Dissolução da Empresa MDV.
Neste sentido, viu-se o Tribunal obrigado a conhecer do mérito da causa com as partes possíveis em juízo.

3.1. Quanto à primeira questão, Francisco Esperto pede a anulação do contrato.

O autor Francisco Esperto, alega a falta de utilidade da compra dos veículos blindados, visto a cimeira já ter ocorrido.

Uma das formas de impugnação do acto é através de um pedido de anulação do acto administrativo (art. 46º, nº 2 alin. a) do CPTA). Ao abrigo do art. 51º do CTPA são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa. É este o caso sub judice, visto que o autor quer anular um acto cuja eficácia põe em causa um interesse público.

Ao abrigo do art. 58º do CPTA os prazos para intentar a acção estão cumpridos, estando assim reunidas as condições para o autor intentar a acção.

No entanto, o autor invoca como causa de pedido da anulação do contrato o facto do contrato não ter sido cumprido. Ora, tanto à luz das regras gerais do Direito das Obrigações ( art. 790º e seguintes do Código Civil), como ao abrigo do art. 325º do Código dos Contratos Públicos, o incumprimento do contrato não gera qualquer tipo de invalidade. Estamos apenas no âmbito de um incumprimento do contrato, que por perda do interesse da parte do comprador, faz operar a resolução do mesmo (mas nunca anulabilidade do contrato) - nº 2 do mesmo artigo do Código dos Contratos Públicos.
Como tal, o tribunal considera improcedente o pedido de anulação do contrato pela causa de incumprimento. Há que ter em conta que não há lugar a invalidades por factos supervenientes. As invalidades são baseadas em factos originários e o facto do contrato não ter sido cumprido, não faz dele nulo.

Há, no entanto, uma causa de anulabilidade do contrato. O facto de se ter recorrido ao ajuste directo, sem estarem cumpridos os requisitos de urgência, em vez de se ter optado pelo concurso público, origina uma violação legal nos termos dos artigos 283º e 285º do Código dos Contratos Públicos. Como não cabe em nenhum dos casos do art. 133º do CPA, estamos perante a regra da anulabilidade do contrato (art. 135º CPA).

Assim sendo, o contrato celebrado entre o Ministério da Administração Interna e a MDV é anulável nos termos gerais do CPA.

3.2. Quanto à pretensão formulada pela autora (a SIC):

Considerando que a escolha do tipo de procedimento na modalidade do ajuste directo, independentemente do valor estimado da despesa pública envolvida, configura um agir administrativo no âmbito do poder vinculado quanto às circunstâncias de facto verificáveis na sua realidade concreta, por reporte ao elenco taxativo de pressupostos estatuído no artigo 24º nº1 al. c) do Código dos Contratos Públicos

Considerando que nos termos da disposição da alínea c) do nº 1 do artigo 24º do Código dos Contratos Públicos, para que se considerem preenchidos os requisitos da adjudicação por ajuste directo é necessário que, cumulativamente, tenham ocorrido factos imprevisíveis que determinem a urgência da adjudicação e que tais factos não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante.

Considerando que a subsunção das circunstâncias do caso concreto aos pressupostos legais passa pela averiguação do sentido dos conceitos abstractos indeterminados utilizados na lei, a saber, razões de “urgência imperiosa” na decorrência de “acontecimentos imprevistos”, “não imputáveis” à entidade adjudicante.

Tendo em conta a matéria de facto provada, o presente tribunal considera que, se o incêndio que deflagrou a 12 de Setembro de 2010 no armazém onde se encontravam todos os veículos blindados do Comando Distrital de Lisboa da PSP criou de facto uma situação de urgência que pode ser qualificada de imperiosa, não ficou suficientemente provado que essa situação decorresse de acontecimentos imprevistos e não imputáveis à entidade adjudicante. Pois, com efeito, resulta da investigação pericial que o incidente foi devido a um curto-circuito e que esse dito curto-circuito ocorreu devido ao nível de humidade local. Ora, é conhecido que a humidade é um factor que geralmente aumenta as probabilidades de tal incidente. Este curto-circuito era portanto previsível. Cabendo ao Estado assegurar-se das boas condições do local onde guarda o seu material de guerra, a circunstância de ter deflagrado um incêndio no dito armazém por ocorrência de um curto-circuito não pode deixar de ser considerada imputável ao Estado.

Considerando que tanto basta para concluir pela não verificação, no caso sub judice, de dois dos pressupostos exigidos no artigo 24º nº1 al. c) do Código dos Contratos Públicos para o Estado poder contratar a MDV por ajuste directo.

Considerando que a declaração de nulidade do acto sub judice gera a nulidade do contrato que adveio desse mesmo acto, por força dos artigos 133º nº1 do CPA, como exposto anteriormente, nas conclusões ao ponto 3.1. .

Considerando que nos termos do art. 7º da lei nº 67/2007, o Estado incorre em responsabilidade civil extra contratual, visto que o acto pelo qual o Estado recorreu ao ajuste directo e não ao concurso público é ilícito. No mínimo, o Estado deve incorrer em responsabilidade sob culpa leve, nos termos dos artigos 9º, nº 1 e 10º, nº2 da mesma lei.

Considerando que a actuação desconforme à lei do Estado provocou um dano à SIC por esta não ter tido a oportunidade de participar no concurso público legalmente exigido.

Considerando que a condenação do Estado nas custas não constitui reparação suficiente do dano sofrido pela SIC deve ser acrescido montante indemnizatório de parte do que é pedido pelos autores


4. Decisão
Com os fundamentos expostos, o Tribunal decide:

a) Anular o contrato celebrado entre a empresa MDV e o Estado em Setembro de 2010 em consequência da declaração de anulação do acto de ajuste directo que lhe deu lugar;
b) Responsabilizar extra – contratualmente o Estado relativamente ao facto de ter optado por ajuste directo em detrimento do instituto de concurso público, sem razões satisfatórias que preencham os requisitos do referido artigo 23º do Código dos Contratos Públicos no total de 500 mil euros.
c) Condenar o Réu nas custas.


Publique-se, nos termos do artigo 152º, n.º4 do CPTA.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2010.

- Benedita Sampaio Nunes – 140107508 - Catarina Granadeiro – 140107016 - Luisa Nobre Guedes – 140106126 - Luisa Teixeira da Mota – 140106111 - Maria Norton dos Reis – 140107073.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Dispositivo vs Inquisitório

Dispositivo ou Inquisitório?

A doutrina não é unânime, nem tão pouco o é a jurisprudência. Muito se discute a propósito do espírito da segunda parte do nº 2 do artigo 95º do CPTA. Será apenas a reiteração do princípio jura novit curia, consagrado no artigo 75º CPTA, mantendo-se intocado o princípio do dispositivo no âmbito do Contencioso Administrativo? Ou será a consagração do princípio do inquisitório no que toca a processos impugnatórios de acto administrativo? Procurando dar resposta a estas questões, são três as grandes teorias que se pronunciam a propósito da matéria: teoria subjectivista, teoria objectivista pura e teoria objectivista moderada.

Defensor da tese subjectivista, o professor Vasco Pereira da Silva sustenta que no nº2 do artigo 95º do CPTA encontra-se apenas uma confirmação do número anterior, e não uma excepção ao mesmo. O juiz encontra-se limitado pelo objecto do processo, pelos factos que lhe são apresentados pelas partes, pois o que está sempre em causa são os direitos dos particulares e uma actuação administrativa lesiva desses mesmos direitos, e não a defesa da legalidade. O que não invalida no entanto, o dever do juiz de “identificar” ilegalidades do acto administrativo diferentes das apresentadas pelo autor. E note-se que “identificar” não se confunde com trazer factos novos ao processo, significa apenas que o juiz pode re-qualificar juridicamente os factos apresentados pelas partes quando assim o entenda. Assim, por exemplo, se uma das partes com base em certos factos invoca a anulabilidade, pode o juiz entender que com base nesses mesmos factos o que está em causa é uma nulidade. Trata-se de um alargamento do princípio jura novit curia, através da superação de uma visão restritiva da causa de pedir correspondente à técnica dos vícios do acto administrativo. Desta forma, temos consagrado no nº2 do artigo 95º do CPTA não o Princípio do inquisitório mas sim o Princípio do dispositivo.

De acordo com a segunda teoria, também denominada de teoria do conhecimento oficioso pleno, o que está em causa é a tutela da legalidade. Desta forma, o preceito atribuiria ao juiz o dever de ir à procura de vícios do acto administrativo para além daqueles aduzidos pelo autor. O tribunal deveria, para tanto, olhar não só para os factos trazidos ao processo pelas partes como também qualquer outro facto de que tenha tomado conhecimento, nomeadamente pela análise do processo instrutor junto aos autos por efeito do artigo 84º do CPTA. Significa isto dizer que ao juiz incumbe a tarefa (porventura árdua) de percorrer todo o procedimento de criação do acto impugnado à procura de novas causas de invalidade que escaparam ao próprio autor. Esta tutela da legalidade faz-nos recordar os velhos traumas da infância do direito administrativo, quando o particular era tido como apenas um auxiliar no processo, que visava não à defesa de seus direitos, mas sim à tutela da legalidade.

De acordo com a terceira teoria, também conhecida como teoria do conhecimento oficioso mitigado, o que neste preceito se encontra é um princípio do inquisitório restrito (ou um dispositivo alargado, dependendo da perspectiva, copo meio cheio ou meio vazio). A tarefa do tribunal de buscar novos vícios é restringida aos factos trazidos ao processo pelas partes. O juiz poderia, assim, transformar factos meramente instrumentais em principais, consubstanciadores de alguma causa de invalidade que não tenha sido alegada pelas partes. A letra da lei oferece suporte a esta tese uma vez que proscreve o dever de ‘identificar’ a existência de causas de invalidade e não de ‘introduzir’ novos factos. Desta forma, a legalidade é subsidiariamente tutelada, mas através de uma busca com menor âmbito. O juiz tem o dever de levantar ‘novas’ causas de invalidade, mas só o pode fazer dentro daquilo que as partes alegaram, mesmo que a título incidental. Basicamente, o juiz deve identificar as causas de invalidade que as partes revelaram ‘sem querer’ ou ‘sem saber’. De qualquer forma, vigora a limitação imposta pela primeira parte do nº 2 do artigo 95º CPTA, segundo a qual o juiz não deve pronunciar-se sobre uma causa de invalidade “quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito”. Por outro lado, pode o autor restringir a sua causa de pedir, ao abandonar expressamente fundamentos que havia levantado (91º, 5 CPTA).

Em jeito de conclusão, julgo que a teoria do conhecimento oficioso pleno deve ser rejeitada. Um dos grandes problemas que esta teoria apresenta é que põe em causa a imparcialidade do juiz, que passa a agir como parte no processo. O problema torna-se mais evidente quando há contra-interessados no processo, que, sob esta lógica, teriam não só de rebater os argumentos aduzidos pelas partes mas também a fundamentação do juiz para justificar a inclusão de ‘novas’ causas de invalidade. O juiz então terá de apreciar a bondade de sua própria fundamentação, tarefa, no mínimo, complicada. E o pobre contra-interessado terá de trabalhar em dobro!
Afastado assim, o princípio do inquisitório (pelo menos pleno) neste preceito, resta saber se devemos continuar no caminho de um contencioso cada vez mais subjectivista, em que o que devemos tutelar são apenas os direitos dos particulares, ou se, pelo contrário, um compromisso entre a tutela dos interesses dos particulares (tendo sempre em conta que é este o aspecto principal do processo) e a tutela da legalidade (ainda que a título secundário) deve ser considerado.

Raquel Henriques - 140107055

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Providências Cautelares no novo contencioso administrativo

No âmbito das providências cautelares, o legislador procurou suprir algumas deficiências do regime jurídico anterior, permitindo que as providências cautelares de condenação provisória num determinado comportamento sejam dirigidas quer contra um particular, quer contra a Administração.
Embora sendo verdade que os Tribunais Administrativos podiam já conceder providências cautelares, aplicando subsidiariamente as regras do CPC, a sua aplicação cingia-se à suspensão da eficácia de actos administrativos.
Verifica-se, assim, um alargamento substancial da tutela cautelar no novo contencioso administrativo. E é nessa linha que surge o art. 112º do CPTA, no qual o legislador vem reconhecer aos tribunais administrativos a possibilidade de adoptarem a providência cautelar, antecipatória ou conservatória, que considerem mais adequada a garantir o efeito útil da sentença a proferir no processo principal.
Nos casos em que a parte interessada procure manter ou conservar uma situação que a actuação da Administração possa prejudicar, a parte interessada vai procurar a abstenção da Administração, a qual será provocada pelo tribunal.
No fundo, é dirigida uma ordem à Administração para que esta deixe de realizar a actividade susceptível de prejudicar a efectividade das pretensões da parte interessada.
À luz do art.120º/1/b, a providência conservatória depende de dois requisitos essenciais: terá de se verificar receio da constituição de uma situação de facto consumado ou um prejuízo potencialmente irreversível (aquilo que se designa por periculum in mora); e não poderá ser manifesta a falta de fundamento da pretensão do autor. Basta, portanto, que se não afigure evidente decisão judicial, em sede de pedido principal, contrária à pretendida pelo autor. Trata-se de um fummus boni iuris, na sua dimensão negativa, atendendo à natureza da própria providência conservatória face à providência antecipatória.
A emissão de providências antecipatórias prende-se com a tentativa do interessado em obter a adopção de medidas por parte da Administração, podendo envolver a prática de um acto administrativo - o interessado pretende que a Administração adopte uma conduta favorável às suas pretensões. Esta providência cautelar surge, assim, para minimizar os efeitos da inércia da Administração em adoptar a referida conduta, concretizando-se na imposição, ainda que provisória, à Administração da adopção de medidas tendentes a minimizar as consequências do periculum in mora, antecipando assim o efeito pretendido no processo principal.
É de notar que, se na primeira se verifica a manutenção provisória de uma situação de facto, já a segunda concebe a criação provisória de uma nova situação jurídica, o que na perspectiva de eventuais terceiros interessados e, ainda, do interesse público, representa uma situação que exige maior limitação (daí que se exija, quanta esta, o fummus boni iuris, na sua dimensão positiva). Nos termos e para os efeitos do art. 120º a concessão de providências cautelares está conexa com o critério do periculum in mora e com o do fumus boni iuris, e depende da estreita articulação entre os dois, ponderando os vários interesses e procurando atingir um maior equilíbrio processual.
De resto, convém referir que estes dois pressupostos não são suficientes por si só, devendo ser complementados pelo critério da proporcionalidade no seu sentido mais estrito, conforme resulta do art.120º/2 CPTA. Significa isto que os efeitos gerados pela providência cautelar não podem acarretar maiores prejuízos do que aqueles que se pretende evitar através da própria providência.
Temos assim mais um exemplo da amplitude de pretensões que os particulares passam a ter ao seu dispor no âmbito do processo administrativo, o que permite falar numa verdadeira e própria tutela jurisdicional.


Catarina Andrade 140106034

A competência como pressuposto processual

A competência é o poder que deriva do fraccionamento do poder jurisdicional entre os diferentes tribunais existentes na nossa ordem jurídica e constitui um pressuposto processual positivo, ou seja, é um requisito essencial, sem o qual, o juiz não se pronuncia sobre procedência ou improcedência do pedido.

Por pressupostos processuais são elementos necessários para que o juiz possa proferir decisão sobre o pedido formulado, desta feita, faltando um pressuposto processual, o juiz deve-se abster de apreciar o mérito do pedido, absolvendo o réu da instância. A competência constitui, assim, um dos pressupostos processuais (alem da personalidade e capacidade judiciaria e legitimidade) enquadrada no âmbito das questões prejudiciais, essenciais à formação da instância.

Debruçando-nos sobre o requisito processual competência, é imperativo analisar em 3 níveis de concretização – em razão da matéria, em razão da hierarquia e em razão do território, no que diz respeito aos Tribunais Centrais Administrativos (TCA’s) e aos Tribunais Administrativos de Círculo (TAC’s).

A repartição de competência está agora simplificada, pois, os TAC’s passaram a ser competentes para conhecer em primeira instância todas as questões dirigidas à jurisdição administrativa, sendo esta atribuição quase exclusiva e universal, na medida em que, são raras as situações em que, tanto os TCA’s como o Supremo Tribunal Administrativo (STA) ainda funcionam como tribunais primários., o que contribui para a concretização de um dos princípios do Direito Administrativo, a celeridade.

Quanto à competência em razão da matéria - os TAC’s têm competência para conhecer em primeira instância de quase todos os processos dirigidos à jurisdição administrativa (art. 44º), excepto nos casos em que essa competência recaí, a título excepcional, nos TCA’s e o STA (art. 37º c) e 24º, nº1, alíneas a) e f) do ETAF.

Quanto à competência em razão da hierarquia – uma vez que, está previsto um duplo grau de grau de jurisdição, e em certos casos um terceiro grau até, cumpre a certos tribunais administrativos superiores conhecerem em sede de recurso jurisdicional de decisões proferidas por um tribunal inferior, dentro dos limites das alçadas e em função do valor dos processos e em função da natureza das causas. Deste modo, das decisões dos TAC’s cabe recurso jurisdicional para a secção de contencioso administrativo do TCA e eventualmente para o STA, se for admitido recurso per saltum (art. 37º a) do ETAF). Dos acórdãos dos TCA’s proferidos em primeiro grau de jurisdição e também, quando admitido o recurso de revista, cabe recurso para a secção de contencioso administrativo do STA (art. 25º nº1 a) do ETAF). No que concerne as decisões dos tribunais arbitrais cabe recurso para os TCA’s (art. 186º CPTA e art.37º b) do ETAF).

Em relação à competência em razão do território – dentro de cada jurisdição, e no mesmo grau de jurisdição, a repartição do poder de julgar faz-se em função do território. Após determinar que a pretensão é da competência dos tribunais administrativos e tem que ser deduzida num tribunal de primeira instância, e como já vimos que os TAC’s são por regra os tribunais que decidem em primeiro grau, vejamos agora, em qual deles deve dar entrada a pretensão.

A competência em razão do território é a competência que resulta de aos vários tribunais, das mesma espécie e do mesmo grau de jurisdição, ser atribuída uma área geográfica própria de competência, a qual chamamos de circunscrição, e de a lei localizar as acções nas diferentes circunscrições mediante um elemento de conexão que considera decisivo para esse efeito, tendo como objectivo, facilitar o acesso aos tribunais e a realização de uma boa administração. Cabe-nos em primeiro lugar, saber qual é a sede e a área de jurisdição de cada TAC, e em segundo lugar, saber quais são os factores de conexão que o CPTA estabelece.

São eles: o foro do autor, enquanto regra geral, e , o foro da entidade local demandada, o foro da situação dos bens, o foro obrigacional e contratual, e o foro eleitoral (entre outros), enquanto regras especiais.

No que concerne ao regime regra, leia-se, ao foro do autor, estabelece o CPTA no seu art.16º que é da competência do tribunal em cuja circunscrição o autor tem o seu domicílio, ou sede, no caso de se tratar de pessoas colectivas, excepto se não for outro o regime imposto por uma lei especial, regime das quais passaremos a analisar de seguida.

Já fora do regime geral, as acções administrativas especiais relativas à prática ou omissão de normas e actos administrativos das Regiões Autónomas, das autarquias locais e demais entidades de âmbito local, das pessoas colectivas de utilidade pública e de concessionários, devem ser intentados junto do tribunal da área da sede da entidade demandada – art. 20º-1 do CPTA – estabelecendo assim o regime do foro da entidade local demandada.

Quanto às acções que tenham por objecto litígios referentes a imóveis, deve a acção ser proposta no tribunal da situação dos bens, estabelendo, desta feita, o art.17º do CPTA, o regime do foro real ou da situação dos bens.

Já o art.18ºnº1 do CPTA, estabelece o regime do foro obrigacional e contratual, em que, as pretensões em matéria de responsabilidade civil extracontratual, incluindo acções de regresso, são deduzidas no tribunal do lugar em que se deu o facto constitutivo da responsabilidade, enquanto que o art.19º, refere que em matéria contratual, as pretensões são apresentadas no tribunal convencionado, ou, na falta de convenção, no tribunal do lugar do cumprimento do contrato.

Sempre que os pedidos sejam dirigidos à adopção de providências cautelares, estes são julgados pelo tribunal competente para decidir a causa principal (art.20º nº6 do CPTA).

Por último, quando não seja possível determinar a competência territorial por aplicação dos artigos anteriores, é competente o TAC de Lisboa, ex vi, art.22º.

Em jeito de conclusão, cabe-nos referir que, a violação das regras de competência dos tribunais, na propositura da acção, não acarreta sempre a mesma consequência, distinguindo a lei duas categorias de incompetência: a incompetência absoluta e a incompetência relativa. A competência absoluta respeita ao âmbito da jurisdição e verifica-se sempre que a questão seja da competência dos tribunais administrativos, já a competência relativa, refere-se à competência dentro da jurisdição administrativa e existe quando o tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e do território, sancionando a lei de diferentes modos consoante se trate da incompetência absoluta ou incompetência relativa. Na primeira, o CPTA comina com a absolvição da instância, podendo o autor do processo requerer a remessa para o tribunal competente, no prazo de 30 dias, considerando-se a petição apresentada na data inicial (art.14º nº2 e nº3 do CPTA). Quanto à incompetência relativa a sanção é a remessa oficiosa do processo para o tribunal competente, também aqui se considera a petição apresentada na data da sua apresentação no tribunal incompetente.