i) Evolução (ou aparecimento) do conceito de legitimidade, no contencioso administrativo
a) Contencioso administrativo de tipo objectivo
Numa relação com a Administração Pública, o particular era classicamente visto como um objecto do poder soberano, um administrado. Este conceito de administrado, é elucidativo, uma vez que sugere uma posição de inferioridade, de sujeição e de “pequenez” do particular face à administração “toda-poderosa”, daí ser altamente desaconselhada a sua utilização.
Ao particular, não assistia qualquer direito subjectivo de se insurgir contra actos da administração. Sendo o limite do poder administrativo a Lei, apenas com fundamento na ilegalidade de um acto administrativo podia o particular “gentil e desinteressadamente”, uma vez que não lhe era reconhecido qualquer interesse jurídico, pedir ao tribunal (que na altura não era um verdadeiro órgão judicial, mas um órgão administrativo) que, no máximo, anulasse o acto, repondo a legalidade na ordem jurídica.
Esta possibilidade do particular suscitar a questão da legalidade era, se tanto, um interesse de facto (nunca jurídico) em cuja decorrência modestamente auxiliava o tribunal e a (restante) Administração Pública, em conjunto, a corrigir a falha. Se já aqui se pode falar em legitimidade (pelo menos autêntica), é duvidoso.
b)Subjectivação; configuração de uma relação material entre as partes
A Constituição de 1976 e a subsequente reforma de 84/85, vieram dar um grande impulso para a ultrapassagem de certos “traumas de infância” do Contencioso Administrativo, por exemplo através:
Foi positivada na CRP de 1976 a idealizada protecção ampla dos direitos dos particulares. Consequência necessária dessa protecção e, para uma verdadeira subjectivação do problema administrativo, foi a configuração da relação administrativa como uma relação material (e já não uma relação de poder), na qual se distinguem partes: a administração e o particular.
ii) Consequente decorrência da legitimidade como hoje está configurada
É aqui que a legitimidade como hoje a conhecemos vai retirar o seu significado, a sua força. Quer isto significar que esta legitimidade do particular resulta da conjugação do reconhecimento de direitos subjectivos dos particulares face à administração, com a sua qualidade de parte numa relação material controvertida em que se lhe contrapõe a Administração Pública, sendo prevista nos artigos 9.º e seguintes do CPTA.
Pode a legitimidade ser respectivamente activa ou passiva, consoante configure a possibilidade de fazer valer certa pretensão face ao demandado ou opor-se à procedência de uma pretensão contra si proposta. É, de resto, isto que resulta da consagração da legitimidade activa e passiva nos artigos 9.º e 10.º do CPTA, de forma de forma “feliz e curada”, numa aproximação ao Direito Processual Civil onde classicamente são os sujeitos do litígio partes em paridade, nas suas relações materiais.
Em resumo e paralelizando, o particular deixa de ser objecto da força administrativa, a quem apenas competia um “interesse factico” de pedir (em tese, altruísticamente), a reposição da legalidade. Passa a ser sujeito de uma relação jurídica de partes, na qual se lhe contrapõe a Administração Pública e tem legitimidade para, contra esta, propor pretensões, desde que “alegue ser parte na relação material controvertida”, artigo 9.º CPTA. Os tribunais competentes deixam de ser órgãos administrativos que, conjuntamente com a administração, repõem a legalidade através de uma competência meramente anulatória, para o sistema se tornar de plena jurisdição e as competências se alargarem à possibilidade de proferir sentenças como as de simples apreciação, anulação ou condenação, podendo no limite fixar sanções pecuniárias compulsórias e executar as suas sentenças. Note-se, por fim, que foi ultrapassado o contencioso de mera legalidade e consagrado o de plena jurisdição, não entrando o tribunal nas questões de mérito da administração, salvaguardando-se assim o Princípio da Separação de Poderes.
Miguel Cancela de Abreu
140107101
a) Contencioso administrativo de tipo objectivo
Numa relação com a Administração Pública, o particular era classicamente visto como um objecto do poder soberano, um administrado. Este conceito de administrado, é elucidativo, uma vez que sugere uma posição de inferioridade, de sujeição e de “pequenez” do particular face à administração “toda-poderosa”, daí ser altamente desaconselhada a sua utilização.
Ao particular, não assistia qualquer direito subjectivo de se insurgir contra actos da administração. Sendo o limite do poder administrativo a Lei, apenas com fundamento na ilegalidade de um acto administrativo podia o particular “gentil e desinteressadamente”, uma vez que não lhe era reconhecido qualquer interesse jurídico, pedir ao tribunal (que na altura não era um verdadeiro órgão judicial, mas um órgão administrativo) que, no máximo, anulasse o acto, repondo a legalidade na ordem jurídica.
Esta possibilidade do particular suscitar a questão da legalidade era, se tanto, um interesse de facto (nunca jurídico) em cuja decorrência modestamente auxiliava o tribunal e a (restante) Administração Pública, em conjunto, a corrigir a falha. Se já aqui se pode falar em legitimidade (pelo menos autêntica), é duvidoso.
b)Subjectivação; configuração de uma relação material entre as partes
A Constituição de 1976 e a subsequente reforma de 84/85, vieram dar um grande impulso para a ultrapassagem de certos “traumas de infância” do Contencioso Administrativo, por exemplo através:
- Da integração dos Tribunais Administrativos no Puder Judicial – o Contencioso Administrativo torna-se de plena jurisdição;
- Do tratamento do indivíduo como um verdadeiro sujeito nas relações com a administração e consagração da igualdade das partes no Processo Administrativo (art. 8.º do CPTA)
Foi positivada na CRP de 1976 a idealizada protecção ampla dos direitos dos particulares. Consequência necessária dessa protecção e, para uma verdadeira subjectivação do problema administrativo, foi a configuração da relação administrativa como uma relação material (e já não uma relação de poder), na qual se distinguem partes: a administração e o particular.
ii) Consequente decorrência da legitimidade como hoje está configurada
É aqui que a legitimidade como hoje a conhecemos vai retirar o seu significado, a sua força. Quer isto significar que esta legitimidade do particular resulta da conjugação do reconhecimento de direitos subjectivos dos particulares face à administração, com a sua qualidade de parte numa relação material controvertida em que se lhe contrapõe a Administração Pública, sendo prevista nos artigos 9.º e seguintes do CPTA.
Pode a legitimidade ser respectivamente activa ou passiva, consoante configure a possibilidade de fazer valer certa pretensão face ao demandado ou opor-se à procedência de uma pretensão contra si proposta. É, de resto, isto que resulta da consagração da legitimidade activa e passiva nos artigos 9.º e 10.º do CPTA, de forma de forma “feliz e curada”, numa aproximação ao Direito Processual Civil onde classicamente são os sujeitos do litígio partes em paridade, nas suas relações materiais.
Em resumo e paralelizando, o particular deixa de ser objecto da força administrativa, a quem apenas competia um “interesse factico” de pedir (em tese, altruísticamente), a reposição da legalidade. Passa a ser sujeito de uma relação jurídica de partes, na qual se lhe contrapõe a Administração Pública e tem legitimidade para, contra esta, propor pretensões, desde que “alegue ser parte na relação material controvertida”, artigo 9.º CPTA. Os tribunais competentes deixam de ser órgãos administrativos que, conjuntamente com a administração, repõem a legalidade através de uma competência meramente anulatória, para o sistema se tornar de plena jurisdição e as competências se alargarem à possibilidade de proferir sentenças como as de simples apreciação, anulação ou condenação, podendo no limite fixar sanções pecuniárias compulsórias e executar as suas sentenças. Note-se, por fim, que foi ultrapassado o contencioso de mera legalidade e consagrado o de plena jurisdição, não entrando o tribunal nas questões de mérito da administração, salvaguardando-se assim o Princípio da Separação de Poderes.
Miguel Cancela de Abreu
140107101
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