quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Evolução da Legitimidade do Particular no Contencioso Administrativo

i) Evolução (ou aparecimento) do conceito de legitimidade, no contencioso administrativo

a) Contencioso administrativo de tipo objectivo

Numa relação com a Administração Pública, o particular era classicamente visto como um objecto do poder soberano, um administrado. Este conceito de administrado, é elucidativo, uma vez que sugere uma posição de inferioridade, de sujeição e de “pequenez” do particular face à administração “toda-poderosa”, daí ser altamente desaconselhada a sua utilização.

Ao particular, não assistia qualquer direito subjectivo de se insurgir contra actos da administração. Sendo o limite do poder administrativo a Lei, apenas com fundamento na ilegalidade de um acto administrativo podia o particular “gentil e desinteressadamente”, uma vez que não lhe era reconhecido qualquer interesse jurídico, pedir ao tribunal (que na altura não era um verdadeiro órgão judicial, mas um órgão administrativo) que, no máximo, anulasse o acto, repondo a legalidade na ordem jurídica.

Esta possibilidade do particular suscitar a questão da legalidade era, se tanto, um interesse de facto (nunca jurídico) em cuja decorrência modestamente auxiliava o tribunal e a (restante) Administração Pública, em conjunto, a corrigir a falha. Se já aqui se pode falar em legitimidade (pelo menos autêntica), é duvidoso.

b)Subjectivação; configuração de uma relação material entre as partes

A Constituição de 1976 e a subsequente reforma de 84/85, vieram dar um grande impulso para a ultrapassagem de certos “traumas de infância” do Contencioso Administrativo, por exemplo através:
  • Da integração dos Tribunais Administrativos no Puder Judicial – o Contencioso Administrativo torna-se de plena jurisdição;
  • Do tratamento do indivíduo como um verdadeiro sujeito nas relações com a administração e consagração da igualdade das partes no Processo Administrativo (art. 8.º do CPTA)
O particular coloca-se ao mesmo nível que a administração e o (agora verdadeiro) tribunal aprecia as questões dum plano superior, que lhe garante, em parte, a isenção e imparcialidade essenciais.

Foi positivada na CRP de 1976 a idealizada protecção ampla dos direitos dos particulares. Consequência necessária dessa protecção e, para uma verdadeira subjectivação do problema administrativo, foi a configuração da relação administrativa como uma relação material (e já não uma relação de poder), na qual se distinguem partes: a administração e o particular.

ii) Consequente decorrência da legitimidade como hoje está configurada

É aqui que a legitimidade como hoje a conhecemos vai retirar o seu significado, a sua força. Quer isto significar que esta legitimidade do particular resulta da conjugação do reconhecimento de direitos subjectivos dos particulares face à administração, com a sua qualidade de parte numa relação material controvertida em que se lhe contrapõe a Administração Pública, sendo prevista nos artigos 9.º e seguintes do CPTA.

Pode a legitimidade ser respectivamente activa ou passiva, consoante configure a possibilidade de fazer valer certa pretensão face ao demandado ou opor-se à procedência de uma pretensão contra si proposta. É, de resto, isto que resulta da consagração da legitimidade activa e passiva nos artigos 9.º e 10.º do CPTA, de forma de forma “feliz e curada”, numa aproximação ao Direito Processual Civil onde classicamente são os sujeitos do litígio partes em paridade, nas suas relações materiais.

Em resumo e paralelizando, o particular deixa de ser objecto da força administrativa, a quem apenas competia um “interesse factico” de pedir (em tese, altruísticamente), a reposição da legalidade. Passa a ser sujeito de uma relação jurídica de partes, na qual se lhe contrapõe a Administração Pública e tem legitimidade para, contra esta, propor pretensões, desde que “alegue ser parte na relação material controvertida”, artigo 9.º CPTA. Os tribunais competentes deixam de ser órgãos administrativos que, conjuntamente com a administração, repõem a legalidade através de uma competência meramente anulatória, para o sistema se tornar de plena jurisdição e as competências se alargarem à possibilidade de proferir sentenças como as de simples apreciação, anulação ou condenação, podendo no limite fixar sanções pecuniárias compulsórias e executar as suas sentenças. Note-se, por fim, que foi ultrapassado o contencioso de mera legalidade e consagrado o de plena jurisdição, não entrando o tribunal nas questões de mérito da administração, salvaguardando-se assim o Princípio da Separação de Poderes.

Miguel Cancela de Abreu
140107101

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