segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Os direitos dos particulares como objecto da acção: desvalorização da causa de pedir

Uma das grandes alterações no Contencioso Administrativo, ao transformar-se num contencioso de plena jurisdição, surge com o disposto no art. 95º/2 CPTA.
Esta norma pretende ajudar a ultrapassar o “trauma de infância” decorrente do facto de o objecto do recurso contencioso se encontrar delimitado em função dos vícios do acto e não do direito invocado. Assim, os poderes do juiz cingiam-se às causas de invalidade que fossem invocadas.

Esta disposição vem permitir que o efeito pretendido pelo particular, i.e, o direito por ele invocado, tem uma protecção efectiva, podendo o juiz analisar não só as causas de invalidade invocadas, mas também causas diversas que o particular não tenha alegado – desde que resultem dos factos trazidos a juízo e do direito invocado.
O legislador consagra então que, nos processos impugnatórios, o objecto do processo é a impugnação per si e não as causas invocadas pelo particular, atribuindo ao juiz o dever de procurar outras causas que não as alegadas pelas partes.

Clarificando-se: se dos factos trazidos a juízo pelas partes, e sempre com referência ao direito que se pretende ver tutelado, resultarem invalidades não alegadas, o juiz deve conhecê-las, ainda que com respeito pelo princípio do contraditório, nos termos e para os efeitos do art. 95º/2.

Como é bom de ver, a situação é manifestamente distinta da que se verifica em sede de processo civil. Aí, o juiz não só está limitado pelos factos alegados pelas partes, assim como se encontra adstrito ao efeito jurídico que cada parte pretende extrair dos factos trazidos a juízo – com excepção, claro está, das questões de conhecimento oficioso (v.g nulidades e prescrição). O mesmo é dizer que está a instância objectivamente limitada pelo pedido e causa de pedir (ver art. 268º CPC).
Logo, há uma ampliação da causa de pedir, sendo o direito invocado o limite material do juiz, que não pode ir para além do direito e dos factos invocados.

O fim último do regime é garantir que o direito invocado pelo particular seja analisado de todos os pontos de vista possíveis, através dos factos trazidos a juízo pelas partes, sendo o pedido e a causa de pedir meros conceitos formais de direito processual (sem prejuízo da sua maior relevância), não descurando o princípio do contraditório permitindo que as partes sejam ouvidas sobre o intuito do juiz de ir mais além do que invocado por estas.

Na mesma linha, o art. 75º CPTA, atinente à impugnação de normas, permite ao juiz decidir com fundamento diverso do invocado pelo autor.

Concluindo, quer o art. 95º/2 e o art. 75º CPTA são preceitos tendentes à efectivação dos direitos dos particulares, na medida em que garantem a prevalência do direito invocado sobre limites de natureza meramente adjectiva/processual.

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