segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro)

A responsabilidade civil pelo exercício da função administrativa (Art. 7º), contrapõe-se à responsabilidade civil pelo exercício da função jurisdicional (Arts. 12º a 14º), ao exercício da função político-administrativa (Art. 15º) e à prática de actos impositivos de sacrifício (Art. 16º).
A responsabilidade civil por danos resultantes da função administrativa, abrange a responsabilidade por facto ilícito (Art. 7º e 10º) e a responsabilidade pelo risco (Art. 11º). Contudo, neste trabalho, apenas será abordado e explicado o Art. 7º.
Quando a Constituição da República Portuguesa consagra, no seu Art. 22º, o princípio de responsabilidade civil de forma solidária, da Administração, retirou a responsabilidade pessoal exclusiva dos titulares de órgãos, funcionários e agentes, passando a distinguir-se a responsabilidade exclusiva da Administração e a responsabilidade pessoal dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, abrindo a possibilidade de existir responsabilidade solidária da pessoa colectiva pública e direito de regresso. Todavia, tem de haver uma conexão entre os actos de violação de direito ou interesses dos particulares e a relação de serviço.
Assim, verificamos que a responsabilidade das entidades públicas, em caso de culpa leve dos titulares dos órgãos, funcionários ou agentes, continua a ser própria e exclusiva; no entanto, quando estes actuam com dolo ou culpa grave a responsabilidade é solidária.
De acordo com o Art. 7º n.º 1 exclui-se da responsabilidade administrativa:
• a actividade de gestão privada dos entes públicos, que determina a responsabilidade civil da entidade pública segundo o regime do direito civil (o que significa que a pessoa colectiva pública responde directamente perante o terceiro lesado, independentemente da culpa, desde que tenha sido o titular do órgão, funcionário ou agente a causar os danos no exercício da sua função, podendo haver direito de regresso);
• os actos lesivos praticados por titulares de órgãos, funcionários e agentes que estejam fora do exercício de funções ou, estando no exercício de funções, não seja por este, e se possa qualificar como actos pessoais dos mesmos (estes actos não envolvem responsabilidade directa da Administração, mas responsabilidade individual do agente, que está adstrito ao regime geral do direito privado).

O ETAF tem vindo a consagrar a unidade de jurisdição das acções de responsabilidade civil extracontratual do Estado, sem distinção dos actos de gestão privada e de gestão pública. Contudo, é necessário fazer essa diferenciação em dois momentos:
1. na aplicação do direito ao caso concreto, ou seja, a separação dos regimes substantivos mantém-se, dependendo do acto que causa o dano indemnizável, seja este do domínio público ou privado;
2. na determinação do tribunal competente, visto ser necessário verificar se o facto causador do dano envolve ou não o exercício de prerrogativas de autoridade (Art. 4º n.º 1 i) ETAF).

Quando diz no n.º 1 do Art. 7º “no exercício da função administrativa”, refere-se à noção de acto de gestão pública. Assim, este pode definir-se como o acto praticado por órgãos ou agentes da Administração, no exercício de um poder público, sob o domínio de normas do direito administrativo. Em oposição, temos os actos de gestão privada que são praticados por órgãos ou agentes da Administração, sem poder público, ou seja, numa posição de igualdade com o particular, logo encontrando-se na mesma situação e submetida ao mesmo regime deste, submetendo-se ao direito privado.
O Art. 7º n.º 1 e o Art. 8º distinguem entre culpa leve e culpa grave, tendo em vista distinguir os casos em que haverá responsabilidade exclusiva, no primeiro caso, ou responsabilidade solidária do Estado, no segundo. Neste caso, determinar-se-á o grau de culpa para verificar se a acção será apenas contra a Administração ou se será também contra o funcionário a quem seja imputada a prática do acto lesivo e se estão preenchidos os pressupostos do direito de regresso por parte da Administração. No entanto, em qualquer destes casos, a acção poderá ser proposta contra a entidade pública, mesmo em caso de dolo ou culpa grave do funcionário, uma vez que incorrerá em responsabilidade solidária dos prejuízos indemnizáveis. Se a culpa do funcionário for leve, a acção terá de ser intentada contra a pessoa colectiva pública, não sendo, de acordo com o Art. 7º, uma situação de litisconsórcio voluntário. Só quando se verifica dolo (quando o autor do dano agiu intencionalmente) ou culpa grave é que se poderá accionar individualmente a Administração ou o agente directamente responsável ou ambos, segundo o regime da solidariedade passiva. Assim, só quando a acção for proposta apenas contra a entidade pública é que se justificará a intervenção provocada do funcionário, com base em responsabilidade solidária.
Verificamos, também, que tanto no Art. 22º CRP como no Art. 7º n.º 1 poderá haver “acções ou omissões ilícitas” por parte do agente. A omissão poderá ser uma situação de inércia ou de inactividade ou, ainda, por falta de acção devida. Contudo, nos termos do Art. 486º CC, não basta que o acto omitido seja imposto apenas pela moral ou pelos usos ou convenções sociais, terá de haver uma obrigação de agir, para além de ser necessário preencher todos os pressupostos da responsabilidade civil. A ilicitude do dever de agir concretiza a ilicitude do facto omissivo, todavia é necessário que o facto seja imputável ao titular do órgão, funcionário ou agente a título de culpa e que haja nexo de causalidade entre a omissão e o dano, segundo o Art. 563º CC.

O Art. 7º n.º 2 pretende concretizar o estabelecido na Directiva n.º 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro, quando atribui indemnização por violação do direito comunitário no âmbito de procedimentos pré-contratuais de direito público. Desta forma, torna-se claro que existe culpa quando há violação de normas comunitárias em matéria de contratação pública.

O Art. 7º n.º 3 contempla a chamada culpa do serviço, tendo duas modalidades:
• culpa colectiva, que se deve a uma deficiência de funcionamento do serviço. Ou seja, os danos não podem ser directamente imputados a um comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente, mas resultam de uma actuação global em que a responsabilidade é dispersa por sectores ou intervenientes distintos.
• culpa anónima, resulta de um comportamento concreto de um agente cuja autoria não seja possível determinar. Esta modalidade engloba as situações em que o dano é imputável à acção de um determinado titular de órgão, funcionário ou agente, mas não é possível saber quem é o autor pessoal do facto lesivo.
Verifica-se, aqui, que ainda existe uma responsabilidade exclusiva do Estado e das demais pessoas colectivas públicas quando se verifica uma situação de funcionamento anormal do serviço. E, assim, não há direito de regresso, uma vez que há responsabilidade exclusiva da Administração.

O n.º 4 deste Artigo explica o que se entende por "funcionamento anormal do serviço". A culpa do serviço deve ser apreciada em abstracto, atendendo ao rendimento médio que seria exigível no caso concreto. No entanto, na determinação do comportamento culposo, os danos não são atribuídos à falta de recursos humanos, materiais ou financeiros. Ou seja, tem-se em consideração o que normalmente poderia ter sido realizado para evitar a produção do dano, com base nos meios e no modelo de organização que o serviço dispunha no momento em que ocorreu o facto lesivo.
De um ponto de vista objectivo, a avaliação da ilicitude assenta num critério de razoabilidade. Assim, há um "funcionamento anormal do serviço" quando a actuação administrativa não cumpriu o que lhe era razoavelmente exigido. Porém, não são todos os comportamentos deficientes da Administração que implicam um dever de indemnizar com base nesse "funcionamento anormal do serviço". É necessário que nesses comportamentos sejam violados direitos ou interesses legalmente protegidos, correspondendo a uma situação de ilicitude objectiva.



Sofia Sousa Rodrigues

140104002

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